whatsapp
47 9 8842-5970

Blog

O que a ciência afirma sobre as lentes com filtro para luz azul?

Você com certeza já ouviu falar nos óculos com as lentes de filtro de luz azul que são vendidos com promessas de melhorar o desempenho visual ao usar dispositivos eletrônicos, fornecer proteção à retina e promover a qualidade do sono.

Diante dessas alegações e sucesso de vendas dessas lentes, algumas pesquisas foram realizadas para estudar a efetividade dessa tecnologia.

 

Será que elas realmente funcionam e têm esse potencial propagado pela mídia?

Para responder essa pergunta, no blog de hoje proponho refletirmos sobre o que há de mais atual no campo da ciência sobre essas lentes.

 

Vamos destrinchar um pouco de uma metanálise (revisão de estudos com análise estatística, que fornece um grau de evidência mais forte para recomendar ou não alguma conduta) publicada recentemente no Cochrane Database of Systematic Reviews, que no campo da ciência é uma das plataformas mais renomadas.

 

Entenda antes o que são as lentes para luz azul

A luz azul faz parte do espectro da luz visível responsável por clarear o ambiente, e está presente em abundância na luz natural proveniente do sol, mas também na luz emitida por telas e dispositivos eletrônicos.

 

Alguns efeitos deletérios relacionados à fadiga ocular e piora da qualidade do sono têm sido atribuídos à exposição continuada à luz azul, mesmo após o sol se pôr. Isto porque ela consegue atingir diretamente nossa retina, e bloqueia a liberação da melatonina – um hormônio liberado na escuridão, que regula o ciclo vigília-sono.

 

Como uma solução para este problema, em uma sociedade super-conectada e iluminada mesmo à noite, surgiram as lentes com filtros para luz azul, um dispositivo que permitiria continuar em frente às telas à noite sem maiores danos para os olhos e para o sono.

 

A luz azul é realmente prejudicial?

Sim! Desde as lâmpadas de xenon, lâmpadas de led e de baixo consumo, até as luzes de telas e dispositivos eletrônicos, emitem este espectro de luz, e são apontadas por potencial efeito deletério tanto para os olhos, quanto para o sono.

Infelizmente essa afirmação é preocupante, pois essas luzes foram criadas para possibilitar uma maior facilidade para o nosso dia a dia, mesmo após o anoitecer.

 

Apesar de serem tipos de luzes diferentes, todas elas emitem a luz azul.

 

A luz azul como eu disse acima, faz parte do espectro da luz visível, e está presente em grande quantidade na luz natural. Sabemos que a exposição à luz natural tem um papel importantíssimo na regulação dos ciclos circadianos, como na liberação cíclica de alguns hormônios – como o do crescimento – e no ciclo sono-vigília.

O problema é a exposição ininterrupta à luz, fazendo com que o nosso corpo perca a percepção ambiental de claro/escuro, principalmente nas horas que precedem o sono.

 

A luz é o principal sincronizador do nosso relógio biológico, e ao perder essa sinalização do claro-escuro, ciclos circadianos do nosso corpo, como o sono, podem ser prejudicados.

 

Outro ponto relevante é que a liberação da melatonina – um hormônio essencial na regulação do sono – depende diretamente da escuridão. Por isto a recomendação de reduzir as luzes em casa à noite, e não se expor às telas pelo menos 1 hora antes de ir dormir.

 

Os óculos com lente para luz azul funcionam?

Como já destacamos anteriormente, a luz azul pode ser prejudicial porque ela não é filtrada e atinge diretamente a nossa retina, com efeitos deletérios tanto para os olhos, quanto para a qualidade do sono.  A partir daí surgiu a promessa de que usar óculos com lente para luz azul traria certa proteção.

 

Essas lentes são amplamente comerciadas, e talvez até você mesmo esteja usando uma delas.

 

Quase sempre recebo dúvidas de leitores aqui do blog e de pacientes durante as consultas sobre a efetividade dessas lentes. Por isso quis trazer para o blog essa revisão da Cochrane que mencionei na introdução, que é o de mais atual sobre esse tema no âmbito da ciência.

 

O que a ciência diz sobre essas lentes

Basicamente tomei como base essa metanálise da Cochrane de 17 estudos ao redor do mundo sobre esse tema.

Interessante afirmar que até mesmo essa pesquisa afirma que é comum que essas lentes sejam prescritas e vendidas em todo o mundo, em boa parte baseada em um marketing exagerado quanto a sua eficácia, pois até então nenhum estudo de qualidade comprovava toda essa propaganda.

 

Este estudo teve muitos autores, mas a principal, Laura Downie, que é chefe do laboratório Downie que atua em saúde ocular, afirma que o estudo não obteve conclusões para o sim nem para o não. Ou seja, mesmo com pacientes de diferentes idades e regiões em todo o mundo, infelizmente não houveram dados o suficiente para afirmar que essas lentes realmente funcionam.

 

Os eventos adversos relacionados às lentes com filtro de luz azul foram pouco frequentes nesses estudos. Em alguns casos houve aumento dos sintomas depressivos, dor de cabeça, desconforto ao usar os óculos e diminuição do humor. Foram também observados alguns efeitos negativos relacionados ao uso de óculos sem esses filtros, como hiperexcitabilidade emocional e desconforto ao usar óculos.

 

O que deve ser ressaltado é que as afirmações propagadas pelo marketing sobre os benefícios maravilhosos do uso dessas lentes são ilusórias, pois nem os melhores estudos, com os dados mais relevantes em todo o mundo, conseguiram provar tais promessas.

 

Laura ainda completou:

“Os resultados de nossa revisão, com base nas melhores evidências disponíveis, mostram que elas são inconclusivas e incertas para essas alegações. Nossas descobertas não apoiam a prescrição de lentes com filtro de luz azul para a população em geral”.

 

Saiba mais sobre a luz azul no seu dia a dia

Bem, como neurologista e atendendo diariamente pacientes com queixas relacionadas ao sono, posso afirmar que a exposição à luz na hora errada, em especial a luz azul emitida pelos celulares, pode causar grandes prejuízos ao sono. Ou seja, a luz é um dos principais sincronizadores do nosso relógio biológico, mas dependendo do horário da exposição, ela pode agir para o bem, ou para o mal, desregulando o ciclo de sono e vigília.

 

Muitos pacientes me procuram com dificuldades para dormir, e o que eu sempre oriento é que a melhora do sono à noite começa na verdade ao acordar, abrindo as cortinas e se expondo à luz natural (que aliás, contém uma quantidade enorme de luz azul, bem mais que os dispositivos eletrônicos).

A luz é uma grande aliada para a melhora do sono, desde que nos horários certos, seguindo o ciclo natural do dia e da noite. Por isto, além da exposição à luz natural durante o dia, principalmente pela manhã, deve-se reduzir a luminosidade à noite, e evitar a exposição a telas (TV, computadores e celulares) pelo menos 1 hora antes de ir dormir.

 

Conclusões

Após mergulhar a fundo nessas pesquisas, minha opinião é que não temos evidências suficientes para recomendar o uso das lentes com filtro de luz azul para melhora do sono em geral, e ressalto principalmente, que seu uso não substitui uma boa higiene do sono.

Pelo contrário, algumas pessoas sob a proteção ilusória oferecida por essas lentes, podem acabar se expondo mais ainda às telas à noite, contribuindo assim para piora da qualidade do sono.

 

Espero que com um conteúdo como esse preparado com base em estudos de qualidade, vocês leitores tenham observado que as vantagens propagadas pelo marketing são exageradas e sem fundamento científico.

 

Além disso, reforço que não existe saúde sem sono de qualidade, e continuo recomendando sim, uma boa higiene do sono.

O básico bem feito custa pouco, e faz toda a diferença.

 

Para mais assuntos como esse, continue acompanhando o blog!

Compartilhar

Veja Também